segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Audiência Crioula 2015 - Estrela


Que eu sou gaúcha assumida, todo mundo sabe. Que eu amo Semana Farroupilha, todo mundo também sabe. Que eu sou apaixonada pelo meu trabalho, também não é segredo para ninguém. Então, por que não juntar tudo isso e trabalhar em plena Semana Farroupilha? 

Desde 2011 eu participo das Audiências Crioulas, que são realizadas pelo Poder Judiciário com apoio do Ministério Público e da OAB. É um projeto que tem duplo objetivo: homenagear os Festejos Farroupilhas e aproximar o Poder Judiciário e o Ministério Público da comunidade, a fim de que todos entendam um pouquinho de como funciona a justiça.

Já contei como foi em Frederico Westphalen (aqui), Palmitinho (aqui), Taquaruçu do Sul (aqui) e Iraí (aqui). Neste ano, pela primeira vez, aconteceu no município de Estrela, com a parceria da Drª Débora Gehrardt de Marque, dos advogados Waldir Machado e Odacir Costa. A comunidade lotou o CTG Estrela do Rio Grande para prestigiar o evento, que gerou muita curiosidade na população.

 


 A ação escolhida para ir a instrução e julgamento foi uma usucapião. Durante a audiência crioula, duas testemunhas foram ouvidas. Após, os advogados declamaram seu pedido final, o Ministério Público, o seu parecer. E, após, a Juíza declamou a sua sentença, julgando procedente a ação. E antes que me perguntem, sim, o ato é válido, as poesias estão no processo e as partes já receberam o mandado de registro no final da audiência.

Ainda, houve a participação do colega Pedro Rui na gaita, acompanhado do violonista Gustavo Matje. Eles executaram o Hino Riograndense, os costados para as declamações e a música Querência Amada no encerramento.

Os versos dos advogados são de autoria de Waldir Machado e Odacir Costa. Os do Ministério Público foram escritos por mim e, finalmente, a sentença declamada pela Juíza, é de autoria de Telmo Vasconcelos que, gentilmente, transformou em versos a sentença do processo. A todos o meu agradecimento!

O Jornal Informativo do Vale, através de seu canal de televisão, filmou toda a audiência e a apresentou na programa Opinião Clínica Dr. Wilson Dewes. Confira!



Além da Audiência Crioula de Estrela, ocorreram outras duas: em Camaquã, em que foi julgado um processo criminal de porte ilegal de armas e a sentença foi cantada, e em Capão do Leão, Comarca de Pelotas, uma ação de retificação de registro imobiliário. Nesta, os versos declamados pela Promotora de Justiça Rosely de Azevedo Lopes também foram feitos por mim (aqui).

Agora, seguem os versos de Estrela:

Parecer do Ministério Público:

Excelentíssima Senhora Doutora
Juíza de Direito de Estrela
Reunidas por vez primeira
Pra analisar e julgar este caso
Trazido pelos autores em prosa
Antenor Pereira e Marli da Rosa
Ao parecer ministerial logo passo.

Narra a resenha dos fatos
Que os autores possuem terra
Há longo tempo, uma era
Logo ali na linha Figueira
Zona rural deste município
E tiram dela seu subsídio
Há 20 anos de igual maneira.

A posse dos autores se traduz
De forma mansa e pacífica
E não há nenhuma crítica
Pelo decurso do prazo
Pois de uso ininterrupto
Sem nenhum corte abrupto
Ou manifestação de rechaço.

O engenheiro fez medição
Dessa área usucapienda
E sobre ela não há contenda
Pois a superfície não se discute
Mais de dois mil metros quadrados
Que são bem utilizados
Para residência e agricultura.

Para comprovar o alegado
Fotos vieram ao processo
E qualquer um tem acesso
Aos documentos juntados
Alguns porcos e galinhas
E também uma plantaçãozinha
Restaram bem demonstrados.

Ao longo dos vinte anos
Que a essa terra habitam
Os autores acreditam
Serem seus verdadeiros donos
Pois cuidam dela dia-a-dia
Com animus domini e alegria
Sem nunca deixá-la ao abandono.
  
A posse longa de uma coisa
Pode gerar sua aquisição
No Brasil se tem por padrão
Preencher os requisitos,
Arrolados em lei específica
E explicados pela doutrina,
Após o prazo vencido.

Neste caso, eu explico
Dez anos são suficientes
Para que os hoje proponentes
Saiam daqui proprietários
Pois na área residem e plantam
Aos requisitos suplantam
Venceram o calendário.

Mas isso não é tudo, entretanto.
Há um procedimento a seguir
O Estado tem que vir
Dizer do seu desinteresse
Também a União e o Município
Para que não reste nenhum vício
E que tudo certo transcorresse.

A manifestação foi nesse sentido
Após a análise dos documentos
Partiu-se ao terceiro momento
A chamada do vizindário
Os confinantes são citados
Silenciaram e deram azo
Ao direito do proprietário.

A instrução ainda não está finda
Pois falta a prova testemunhal
Essa que é colhida ao final
Desta etapa instrutória
Para tempo e posse comprovar
Foram chamados a retratar
Com detalhes essa história.

Declarações foram anexadas
De pessoas que afirmam
Que há muitos anos conhecem
Os autores desta ação
Que os consideram por donos
Que nunca houve abandono
Das terras desta usucapião.
  
Vencido o prazo contestacional
Silenciaram os citados
Foi o Parquet intimado
Da existência deste processo
Tendo logo se manifestado
E da intervenção declinado
Mas não agiu em excesso.

Entretanto neste momento
E pela independência funcional
Em nome da cultura local
Eu me manifesto neste feito
E o mérito comento
Neste grandioso evento
Em verso bem a preceito.

Os Da Rosa lograram comprovar
Que nos últimos vinte anos
Sem vício ou qualquer engano
Moraram e produziram a terra
Que hoje pedem a propriedade
E já que estão na feliz idade
Esta discussão aqui se encerra.

Opina o Ministério Público
Pela procedência da ação
Que o vigário dê benção
Aos mais novos proprietários
Que podem comemorar vitória
Cantar e bater palmas de glória
Junto aos amigos e vizindário.

Nestes Festejos Farroupilhas
A audiência aconteceu
E o vínculo se fortaleceu
Entre as entidades envolvidas
Em 15 de setembro, sem esbarro
Andrea Almeida Barros
Promotora de Justiça.

Versos da Sentença, de autoria de Telmo da Silva Vasconcelos:

Sentença Gaúcha

Nesta Semana Farroupilha
A gauchada pilchada
Encilha a sua cavalhada
E sai com garbo, em desfile

É quando o Rio Grande festeja
Pelos campos e cidades
Suas glórias e sua história,
Na luta pela liberdade

Pois justo nesta semana
Vêm ao juízo de Estrela
Dois humildes trabalhadores
Em busca de solução

O enredo não é dos grandes
Mas requer muita atenção
Por ser lide de campo e gente
Chamado de Usucapião

Antenor Pereira da Rosa e
Marli Therezinha Maia da Rosa,
São pequenos agricultores
De escassa produção

Alegam que vivem em um campito
-Ranchito, criação e arado-
Já há mais de vinte anos
Uns dois mil metros quadrados

E que da terra são donos
-Pois a terra é de quem a trabalha-
E que nunca tomaram a estrada
Em busca de outro rincão

Que tem posse, sim senhora,
-Sempre sem contestação-
Mas falta o registro legal
Daquele pedaço de chão

Batem às portas do Fórum
E solicitam, de vereda,
Que seja reconhecida a pobreza
Da sua social condição

E assim há de correr o Processo,
Sem custas e sem delongas,
Pois se não é de pronto a Justiça
Não pode por justa se achar

Após o curso de praxe
Nos termos dos textos legais
Citados e ouvidos os interessados
Eis-me pronta para julgar

Decido e digo as razões
Do meu breve decidir:

A posse foi comprovada
Sem nenhuma contestação
Lindeiros e vizindários
Foram ouvidos na Instrução

Todos muito incisivos
E claros no seu depor
Que realmente conhecem
Dona Marli e Seu Antenor

Que há anos vivem na terra
-E isso podem atestar-
E que da terra tiram o sustento
Do seu grupo familiar

Que nunca se soube de nada
Que lhes turbasse a posse
Ou que houvesse outros donos
Ou de ninguém reclamar

Portanto nos termos da lei
Julgo PROCEDENTE a pretensão
E DECLARO a propriedade
Dos autores da ação

E assim faz-se a JUSTIÇA
Distribuindo-se os direitos
-Especialmente os sociais-
Igualando os desiguais

Findando, nesta Semana Farroupilha
De vereda, em arremate
Assina a presente sentença
Débora Gerhardt de Marque.

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